EDUCAÇÃO FÍSICA E CCM

A  Educação  Física  é  pouco  valorizada,  em  primeiro lugar, pelo desconhecimento e incompreensão de grande parte do senso comum.

Para muitos  somos  apenas  (apenas?)  os  professores  que  ensinam  as  crianças  a jogar bola, os que treinam os jovens para desenvolver uma boa condição física, os  que  exercitam  os  adultos  para diminuir  o  peso  corporal  e  os idosos  para aumentar sua expectativa de vida. Embora não haja dúvida, que tais propósitos são  socialmente relevantes e  em  boa parte, são mesmo  fundamentais  à  vida humana,  todavia  para  parte  significativa  desse  mesmo  senso  comum,  essas tarefas  não  vão  além  da  reprodução  mecânica  de  um  conjunto de técnicas corporais.  Por  suposto,  tarefas  com  baixa  exigência  de  conteúdo  intelectual, cultural  e pedagógico. Nada que não possa ser retirado de  uma  coletânea de exercícios e ser reproduzido por um instrutor, um ex-atleta, um amigo da escola ou até mesmo um programa de computador. Ainda há quem se espante ao se deparar com um estudante de educação física estudando e pesquisando sobre fisiologia,  psicologia,  antropologia,  filosofia,  etc.  Para  esses  distraídos,  basta, para  ser  professor  de  educação  física,  jogar  bola,  fazer  ginástica,  ser  forte, veloz e flexível.
Educação Física, pouco valorizada por teologias, filosofias e pedagogias dualistas que vêem o corpo e a alma como substâncias separadas e distintas.

Dualismo que define o corpo como moradia ou prisão da alma, ou como um relógio composto por rodas e contrapesos. Educação Física que, enfim, ao ter suas raízes plantadas no campo fértil da corporalidade desfruta dos mesmos preconceitos que tais teologias, filosofias e pedagogias compartilham em relação ao corpo. Um corpo que para alguns ideólogos do trans-humanismo é obsoleto e deve ser substituído por uma máquina sofisticada. Um corpo que para determinadas correntes religiosas deve ser mortificado para expiar prováveis descaminhos da alma ou do espírito. Um corpo que após a morte deverá apodrecer na terra após dar liberdade à alma que voltará ao reino dos céus ou ao mundo das idéias. Corpo que, para outros tantos teólogos, filósofos e pedagogos mais condescendentes com a sua incômoda presença entendem que ele deva ser cuidado e treinado para tornar-se belo, forte e saudável pela simples razão de estar a serviço da mente. Pois, afinal! Uma mente sã deve exigir um corpo sadio.

Educação Física pouco valorizada por cientistas reducionistas que a restringem aos limites estreitos de suas disciplinas. Nossas faculdades estão cheias de fisiologistas, biomecânicos, psicólogos, antropólogos, sociólogos que isolados no espaço restrito de suas especialidades  pretendem  pretensiosamente através de suas estreitas janelas  visualizarem o mundo complexo e transdisciplinar da Educação Física. Assim, como produto desta hiper-especialização, se por um lado, alguns de nossos alunos são capazes de  publicar artigos em revistas científicas nas diversas áreas do conhecimento, por outro lado, muitos deles não adquirem a mesma competência para dar aulas de Educação Física para uma turma da quinta série.

Educação Física pouco valorizada por pedagogos racionalistas e intelectualistas para quem o ato de educar se resume exclusivamente às necessidades da razão – o inteligível -  Educação que deveria ser integral – o inteligível e o sensível -, mas que, no entanto se resume ao ensino do escrever; do fazer contas; do decorar nomes de continentes, países e suas capitais, personalidades importantes da história universal. Educação onde o corpo e o sensível não têm relevância já que é apenas percebido como uma máquina a serviço do raciocínio lógico.

Educação Física pouco valorizada em escolas onde o corpo não tem voz. Escolas onde o corpo permanece sentado, disciplinado no silêncio e passividade de uma estátua de mármore. Ou, quem sabe, tal como umas marionetes. Move-se por mecanismos articulados a partir de um conjunto de fios que se mantém sobre o controle dos mestres. Educação Física desvalorizada pela cultura do silêncio corporal. Corpo estátua de mármore que sequer, como imaginava Condilacc  tem, através da educação, seus sentidos despertados um a um. Corpo aprisionado e de costas para o mundo, vendo sombras na parede e tomando-as pela realidade, tal  como na alegoria da caverna de Platão

Educação Física desvalorizada, também por muitos professores de Educação Física. Sim! Professores de Educação Física que se mantendo presos entre as fronteiras rígidas de concepções racionalistas e intelectualistas se sentem menos importantes ao ter de lidar com corpos sensíveis. Corpos que correm, saltam, jogam, dançam e fazem esportes. Corpos que suam nas quadras, campo e estádios. Corpos que necessitam das aprendizagens de habilidades motoras e técnicas esportivas, do treinamento das capacidades físicas, dos cuidados de higiene e saúde. Corpos que, para além da razão, expressam desejos e sentimentos. Corpos que não se deixam apreender em sua complexidade pelos discursos sofisticados que,  na maioria das vezes
sendo importados de outras ciências, se multiplicam nos cursos de formação, nas conferências, nos livros e discursos de professores de Educação Física investidos de filósofos, teólogos, psicólogos, sociólogos, antropólogos, etc.
Professores de Educação Física que imaginam que ao propor ou partilhar de discursos eloquentes contra as competições esportivas, o ensino do esporte na escola, as práticas que envolvem a formação corporal e a busca da excelência estão construindo (ou desconstruindo) um referencial teórico capaz de fornecer fundamentos consistentes para a Educação Física. Professores que em minha opinião, infelizmente fazem muitos gols contra.

Educação Física desvalorizada por professores de Educação Física nas escolas. Professores que engajados em fundamentalismos ou por pura preguiça abdicaram do compromisso da formação de seus alunos. Professores que se limitam a transformar suas aulas num lugar divertido, num espaço exclusivamente lúdico, num parque de diversões onde o prazer individual e imediato é o único bem possível, princípio e fim da vida moral. Professores que se convertem em animadores culturais ou expectadores de uma “pelada de futebol” entre seus alunos, mas sem qualquer compromisso pedagógico, apenas entregam a bola no início das aulas e a recolhem ao final. Portanto, Educação Física que ao abdicar da ética do esforço, do trabalho e da disciplina abdica também de sua tarefa de formação e educação. Esqueceram que nada do que realmente vale se alcança sem esforço e sem fatigante trabalho.


fonte: esse texto foi extraído da Monografia de Adroaldo Gaya